“Cadê o rio
que estava aqui?” Se ainda estivesse vivo, talvez o poeta mineiro Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987) incluiria, entristecido, essa frase em um de
seus poemas. O motivo está estampado em
capas de jornais de todo o país: a tragédia que há quatro meses assolou a Mata
Atlântica mineira, cuja beleza ele tanto homenageou em suas poesias e que sofre
a perda de um de seus principais rios na maior tragédia ambiental do país.
Rio Doce cortando a cidade de Governador Valadares em Minas Gerais. Foto: Alex Ledger/Wikipédia. |
De repente,
não mais que de repente, a história do Rio Doce tornou-se um pouco amarga para
todos aqueles que dele dependem, assim como para todos nós brasileiros, que
admiramos sua beleza. No cenário, o que antes pareceria impossível, tornou-se
uma dura realidade: peixes mortos pelo caminho, mau cheiro, matas ciliares
devastadas e a fauna, que era composta por diversas espécies, deram lugar para
rejeitos minerais tóxicos.
Você já
imaginou o que aconteceria se as águas de um importante rio de sua cidade
simplesmente não pudessem mais ser utilizadas? E como reagiria se a sua cidade
tivesse a paisagem drasticamente transformada?
Milhares de
brasileiros por onde passa o Rio Doce ainda estão procurando essas respostas:
de onde tiraremos água para beber? E quem vive da pesca, fará o que a partir de
agora? Será possível voltar a tirar da terra o sustento que a lama levou? As
espécies atingidas pela lama desapareceram para sempre? O meio ambiente vai se
recuperar?
São
questionamentos difíceis que surgem para se somar a tantos outros agora
presentes na vida dos moradores das comunidades atingidas. Além das memórias
apagadas, do nada, não será mais possível viver nos locais atingidos. Não é uma
tarefa fácil se questionar como se reconstruirá uma cidade, com tudo que há de
vivo nela. A rotina de seus ex-moradores não será mais a mesma, nem seus lares,
nem seus trabalhos, nem suas vidas. E agora?
A natureza
não sabe fazer perguntas como nós, mas tem respostas claras e diretas para o
que fazemos com ela. Ainda não é
possível saber ao certo o que acontecerá ao longo dos mais de 500 km de rio
atingidos pela lama de rejeitos químicos provenientes de mineração. Também não
sabemos como iremos devolver às pessoas seus estilos de vida na região. Porém, o
aviso automático do meio ambiente até agora foi triste, mas claro: o Rio Doce,
hoje, está morto. As áreas próximas atingidas também.
Sabe aquela
sensação de oportunidade perdida que vez ou outra temos na vida? Talvez seja esse o sentimento mais adequado a
todos nós brasileiros agora. Não soubemos aproveitar o rio e também não fomos
capazes de cuidar dele.
O Rio Doce,
agora, só sobrevive na memória de quem o conheceu e nos poemas e canções que
ele inspirou. Agora, as águas de março vão fechar o verão um pouquinho mais
tristes no Brasil, que viu uma enxurrada levar uma de suas inúmeras
comunidades.
Como dizia o
pacifista Mahatma Gandhi, “se queremos progredir, não devemos repetir a
história, mas fazer uma história nova.” Então, fica um convite a você: a água
já fez muito pela humanidade, que tal descobrir o que cada um de nós pode fazer por ela?
*Texto elaborado por Malu Nunes, diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
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